terça-feira, 15 de novembro de 2016

Repensando "O drama da república brasileira"

     Já faz alguns anos que tenho me preocupado com a falta de entendimento do povo sobre o que é república. Aqui no interior do estado mais populoso do Brasil, São Paulo, tem "senhorzinho" que diz não entender disso (mesmo sendo funcionário em uma escola pública). E hoje, sendo feriado da Proclamação da República, que aconteceu em 15 de novembro de 1889, voltei a reler um artigo que havia escrito em novembro de 2003, após um ano de minha dissertação de mestrado pela Universidade de São Paulo, em Antropologia - O drama da república brasileira - publicada em um periódico Revés do avesso. Resolvi publicar um trecho aqui para refletir sobre nossa atual conjuntura que tem sido sofrido para nós, brasileiros, conscientes de nossa democracia.
     "[...] Toda história tem sua dramaticidade, um ritual com conteúdo específico. Geralmente, os rituais contém mitos, e foi analisando os mitos que o estruturalismo percebeu 'códigos' que dão significado ao comportamento humano. Esses códigos dão sentido ao presente e ao futuro de um grupo social, relacionando a estrutura como algo universal.
     No Brasil, as festividades, tanto religiosas [...] quanto cívicas (dia da Independência, dia da República, etc) podem ser consideradas códigos que nos permitem entender o 'ethos' de um povo. Desde os tempos monárquicos, as festas proporcionam uma sociabilidade para formar alianças (emq eu a troca é fundamental de um grupo para outro) ou para tomar distância de identidades; de vínculos afetivos ou, também, momento de rememoração, em que 'o passado se irrompe no presente' (cf. BENJAMIN, 1985).
     As festividades são cheias de ambiguidades e metáforas: ora ela são suportes para a criatividade de uma comunidade, ora elas afirmam a perenidade das instituições de poder. (cf. DEL PRIORE, 1994). Por isso, no Brasil, mesmo tendo mudado a forma e o sistema de governo de Império para República, algumas comemorações cívicas monárquicas são mantidas. As festas oficiais relembram o passado para fortalecer a ordem social presente, contribuindo para consagrar, sancionar o regime em vigor, fortificando hierarquias, valores, normas e tabus religiosos, políticos e morais correntes (cf BAKHTIN, 1987). A ênfase heroica é demonstrada pelo 'progresso' que a 'civilização' veio trazer por meio do Estado.
     [...]
     Numa palestra para oficiais do Batalhão de Infantaria e Selva, no interior do estado do Amazonas, em junho de 2001, sobre cultura amazonense, um capitão perguntou-me se aquele povo [amazonense] era capaz de lutar por nossa terra, a nossa pátria. Diante da pergunta republicana, pensei em algumas estratégias antropológicas como resposta. A primeira indicação que lhe foi passada é que a luta pela terra, a princípio, é a da família. Essa é sagrada para a população. Lembremos de Canudos, da Cabanagem... A segunda indicação é que Humaitá, a 'Princesa do Madeira' [cidade onde estava sendo a palestra] surgiu num contexto monárquico em que havia guerras, tanto com o Paraguai como com os indígenas Parintintin, habitantes daquela região.
     A monarquia até hoje impera no imaginário coletivo do brasileiro quando utiliza os termos 'rainha dos baixinhos', 'rei Pelé', 'o rei Roberto Carlos', 'Jesus é nosso Rei' etc. Em tempo, outra indicação dada: o povo brasileiro não foi preparado pra a República. Esta nos foi imposta, segundo nos dizem os próprios livros de História. Eu aprendi o que é pátria, o que é cidadania na escola. E ainda devemos lembrar que as sociedades indígenas, que sempre habitaram nesse território, são nações sem Estado, embora desde fins de 1889 denomina-se República [...], ou seja, um Estado.
      A preocupação com as fronteiras no sentido político-geográficas brasileiras não são de hoje. O governo brasileiro sempre procurou tomar providências com relação a elas, mas a preocupação com a 'situação de fronteira' dita por MARTINS (1997) parece ser nula. Ele afirma que 'situação de fronteira' é 'um lugar do encontro e do desencontro entre grupos, etnias e classes sociais...', e também 'lugar de alteridade, do confronto (...) de destinos, de historicidades desencontradas...'. Por isso,  o lugar das festividades - que geralmente coincide com um marco da 'civilização', do 'progresso' como o lugar da fundação de um município, mas para um outro, o local era utilizado por seus antepassados para a pesca e a caça, conforme registros de várias terras indígenas ou quilombos. [...]
     [...]
    Embora nos tempos de revoltas, no Império, como a Cabanagem, cujo objetivo dos chamados 'caboclos' era de libertação das elites regionais, hoje ainda há a busca pela coisa pública, o estado de direito dos cidadãos brasileiros. A leseira (vista como indolência) passou a ser um estilo de resistência diante daqueles que pensam em dominar sua cultura, afirma SOUZA (19940).
    [...]
    Os detalhes da história são possibilidades que passam a serem vistos como verdadeiras fendas. Fendas essas que segundo BENJAMIN são importantes para revelar 'a história do que foi esquecido', que como em outros grupos liminares estudados, como os boias-frias, por DAWSEY, sintetiza 'o significado da história se encontra não numa estrutura maior, mas em 'certos eventos individuais, marginalizados e aparentemente insignificantes'... os elementos determinantes da condição humana se encontravam 'soterrados em cada momento do presente em forma de pensamentos e criações mais ameaçadas, odiadas e ridicularizadas'. Resta-nos preservar e cantar, não só no ritmo do hino da República, mas também a da escola de samba da Portela: 'Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós...'".(Artigo extraído da Revista Revés ao avesso, ano 12, nº 11 e 12, nov-dez/2003, pp 60-65).
     Que a República Federativa do Brasil se fortaleza na democracia, sendo necessário para isso uma educação que produza a verdadeira consciência cidadã, em que toda a população de fato participe nas decisões de interesse do país e, não apenas a um grupo de eleitos ou de suplentes supostamente eleitos. Que os Poderes sejam realmente representantes do povo, lembrando que a maioria é, ainda, analfabeta e desconhece de seus direitos. Mas, para isso, devemos ser justos ao proclamar que a soberania é de todos e não somente de alguns que entram no poder e a tomam para si. Fiquemos atentos as PECs a serem votadas e cobremos as conquistas feitas que, ainda não foram cumpridas.
    

Nenhum comentário:

De volta ao Filosofia em ação. Pensar bem para bem viver

         Axé! Karen! Olá! Desejo a todas e a todos e todes muita saúde.      Infelizmente, durante a pandemia muita/os companheira/os brasil...